No campo de vista hermenêutico poderíamos dizer que existe grande divergência entre os juristas brasileiros que leva a duas respostas possíveis a esta questão:
A primeira se infere em uma interpretação literal do § 4º do art. 60 da CF, na qual seriam cláusulas pétreas somente os “direitos e garantias individuais” sendo, portanto, os direitos sociais não oponíveis a alteração pelo poder constituinte derivado, vez que não seriam cláusulas pétreas.
Em outras palavras é uma interpretação da norma extremamente positivista que só observa o texto constitucional em sua literalidade, restringido a proteção como cláusula pétrea de demais direitos fundamentais.
Já em relação à segunda possível resposta, a qual entende concebível a proteção dos direitos sociais como cláusula pétrea, podemos estabelecer três pontos defensáveis.
Primeiramente, a defesa dos direitos sociais se faz em contra ponto aos direitos individuais no sentido de que a ausência destes limitaria a execução daqueles, vejamos: “Interpretando-se restritivamente o artigo 60, §4º, IV, da CF, poder-se-ia dizer que a expressão “direitos e garantias individuais” deve ser encaradas de tal forma, que apenas os direitos fundamentais equiparáveis aos direitos individuais do artigo 5º poderiam ser consideradas cláusulas pétreas. Contudo, mostra-se de complexa dificuldade diferenciar direitos individuais e os não-individuais. Aliás, aqui, se faz necessária uma indagação: qual o direito social que antes, lá na origem, não é individual?”
De fato, a abolição de um direito social causaria aos direitos individuais uma supressão na sua abrangência, tal como no direito a dignidade que com o afastamento dos direitos sociais teriam sua amplitude diminuída. Sendo a proposta de Emenda Constitucional que os excluísse tendenciosa a abolir os direitos individuais.
O segundo posicionamento é aquele “fundado no princípio da proibição do retrocesso social, que impede a supressão ou restrição de direito social reconhecido no sistema jurídico e definido como direito fundamental”. Canotilho, nesse sentido, diz que o princípio da proibição do retrocesso social é aquele segundo o qual o legislador, uma vez reconhecido um direito social, não pode eliminá-lo posteriormente nem ‘retornar sobre seus passos’.
Para ilustrar o autor transcreve a seguinte decisão:‘…a partir do momento que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionais impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.’ ” Por fim, podemos destacar o argumento constante do ementário nº 1730-10/STF, elucidativo do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello: “Tivemos, Senhor Presidente, o estabelecimento de direitos e garantias de uma forma geral. “Refiro-me àqueles previstos no rol, que não é exaustivo, do art. 5º da Carta, os que estão contidos, sob a nomenclatura de direitos sociais, no art. 7º e, também, em outros dispositivos da Lei Básica Federal, isto sem considerar a regra do §2º, do art. 5º, segundo o qual ‘os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados…”.
Logo em havendo direitos individuais não apenas no artigo 5º, mas também em demais normas do ordenamento constitucional, seriam também proteção de cláusula pétrea os direitos sociais, pois, como já dissemos, qual direito social não adveio de um direito individual? Por essas razões, entendemos como mais acertado o posicionamento majoritário dos juristas brasileiros de que os direitos sociais encontram proteção nas disposições do artigo 60, §4º, da CF, e, assim, não são passiveis de revogação.
Fonte: Teoria Geral do Estado – 11ª Ed. 2018 . Bonavides,Paulo. Malheiros